A Capela privada de Santa Teresa deveria ser, pela sua singularidade e erudição arquitectónica, um lugar de paragem obrigatória em Moledo do Minho. Não o é evidentemente por se tratar de um templo privado, ao qual o mero indivíduo não tem acesso, mas também pela falta de informação que existe acerca do mesmo. Convido assim o leitor a seguir estas linhas e descobrir a real importância e a tão peculiar particularidade desta capela.
Em jeito de contextualização histórica, a mesma insere-se, quer temporalmente quer estilisticamente, no período barroco, séc. XVIII, tendo sido concluída no ano de 1749 na Quinta das Pereiras, freguesia de Argela, após a petição de 7 de Janeiro de 1748, onde um senhor de nome João Pereira e Silva apelava ao rei a autorização para erigir a mesma, alegando a distância que a sua residência se encontrava da igreja paroquial, impossibilitando a sua família de assistir aos actos de culto. Nos inícios do século XX, em 1903, a mesma viria a ser transferida para a propriedade do engenheiro Álvaro de Sousa Rego, em Moledo do Minho, local onde se encontra até aos dias de hoje.
Num primeiro olhar denotamos de imediato o seu despojamento e rigidez, igual a tantas outras capelas do Concelho de Caminha. Qual a sua particularidade então? É isso mesmo que irei desdobrar de seguida.
Remontando-nos ao século XVIII, tempos em que a arquitectura barroca se afirmava nas principais cidades do Norte do país, existiram, efectivamente, dois pólos que se distinguiam estilisticamente e viriam a influenciar toda a arquitectura religiosa que proliferaria à volta dos mesmos. Assim sendo, temos o pólo portuense e o bracarense, tendo o primeiro como figura principal o arquitecto/cenógrafo italiano Nicolau Nasoni e o segundo a figura de André Soares.
Toda a arquitectura minhota, erigida neste espaço de tempo, viria a ser influenciada, por uma questão de proximidade, pela arquitectura barroca bracarense. Enquanto que a portuense se regia sobretudo pelos tratados de arquitectura oriundos de Itália – com especial incidência para o de Andrea Pozzo – onde os arquitectos retiravam os cânones/moldes a aplicar a cada elemento arquitectónico – janelas, portas, remates, etc. –, a bracarense viria a assumir um carácter mais regionalistas, conjugando os moldes da arquitectura barroca italiana, de racionalidade e cenografia assente nos citados tratados, com elementos de originariam um estilo mais característico e peculiar. Assim, e a título de exemplo, podemos observar isso mesmo em Viana do Castelo, na Capela das Malheiras, da autoria de André Soares, de grande aparato cenográfico, onde os motivos decorativos proliferam e os jogos de avanços de recuos das suas formas arquitectónicas atribuem uma maior dinâmica e, digamos, movimento à fachada do templo. A sobreposição de camadas, observável quer a nível dos vãos quer no que respeita ao remate, aliado à turbulência das suas formas de linhas contracurvadas, é uma característica vital deste pólo.
A título de resumo temos então uma arquitectura barroca portuense mais racional e rígida, ainda que emanando um profundo sentimento cenográfico através dos seus motivos decorativos, e uma bracarense – e consequentemente minhota – mais, diríamos, inventiva e regionalista. Assim sendo, a arquitectura barroca do Alto Minho seguiria os cânones e influências que naturalmente lhe chegariam de Braga. Dito isto, qual a particularidade da Capela privada de Santa Teresa?
Observando a arquitectura do século XVIII do Concelho de Caminha, poucos são os exemplares que apresentam alguma erudição, ficando-se pela mera inclusão de alguns pormenores de sobreposição de camadas a nível dos vãos de iluminação que encimam a entrada dos templos. Olhando agora para a citada capela, podemos constatar e afirmar que o seu portal foi claramente influenciado pelo pólo portuense. Mais: o mesmo foi projectado de acordo com os modelos apresentados no tratado de Andrea Pozzo, que tanto influenciou a arquitectura barroca portuense. Trata-se assim de uma capela isolada geograficamente, extremamente próxima das influências portuenses, denotando uma grande erudição na sua concepção, fugindo claramente aos moldes do pólo bracarense. A curiosidade da mesma estabelece-se nos seguintes parâmetros: o arquitecto que a concebeu era perfeitamente consciente da tratadística e da obra realizada por Nicolau Nasoni no Porto. Agora trata-se de vos reportar para o século XVIII, tempos em que a comunicação e a transmissão de gravuras não eram, de forma alguma, como nos tempos de hoje.
Assim sendo, o conhecimento acerca daquilo que se fazia no Porto em termos de arquitectura, chegaria muito tardiamente aos arquitectos ou mestres pedreiros do Alto Minho. O mentor do projecto da capela de Santa Teresa, desconhecido até aos dias de hoje, foi, na melhor das hipóteses, alguém oriundo do Porto – só aí teria contacto com a realidade portuense e disponibilidade para consultar os tratados de arquitectura, apenas lá disponíveis.
Muitas questões se levantam: como chegou a uma freguesia tão remota como Argela – e mantenham em mente que nos encontramos no século XVIII – um arquitecto oriundo da escola do Porto? Qual a razão de adoptar os moldes portuenses e não bracarenses, tendo estes últimos marcado tão profundamente a arquitectura barroca do Alto Minho? São algumas questões que ficaram por responder. O que fica aqui afirmado é que se trata de um caso isolado e por isso digno de especial atenção. Tudo na sua fachada emana o perfume portuense: o já citado portal, de grande erudição, a janela que o encima, polilobada, característica marcadamente nortenha, ou a usual concha tão característica da tratadística italiana.
Como caso único, deve ser olhada com especial atenção e ser-lhe dada a devida importância, não sendo devota ao esquecimento por quem por ela passa. É definitivamente uma jóia da arquitectura barroca do Concelho de Caminha e passível de visita.
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